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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Tópicos de Plena Consciência (parte 1)

 

O PRIMEIRO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: SEGUIR A RESPIRAÇÃO NA VIDA DIÁRIA - ELIMINAR A DISTRAÇÃO E O PENSAMENTO DESNECESSÁRIO

 

Inspirando, ele sabe que está inspirando; e expirando, ele sabe que está expirando.

Inspirando uma respiração longa, ele sabe que "Inspiro uma respiração longa. Expirando uma respiração longa, ele sabe que "Expiro uma respiração longa.

Inspirando uma respiração curta, ele sabe que "Inspiro uma respiração curta".

 

A maioria dos leitores não vive em florestas, debaixo de árvores, ou em monastérios. Em nossa vida diária, dirigimos carros e esperamos ônibus, trabalhamos em escritórios e fábricas, falamos ao telefone, limpamos nossas casas, preparamos comida, lavamos roupa e assim por diante. Portanto, é muito importante aprendermos a praticar a plena consciência na respiração durante nossa vida diária. Usualmente, quando desempenhamos essas tarefas, nossos pensamentos vagueiam, e nossas alegrias, tristezas e raiva ficam difíceis de seguir de perto. Apesar de estarmos vivos, não conseguimos trazer nossa mente para o momento presente e vivemos no esquecimento.

 

Podemos começar nos tornando conscientes de nossa respiração, seguindo a nossa respiração. Inspirando e expirando sabemos que estamos inspirando e expirando, e podemos sorrir para afirmar que somos nós mesmos que estamos no controle de nós mesmos. Através da consciência na respiração, podemos estar despertos no (e para o) momento presente. Ficando atentos, já estabelecemos o "parar", isto é, a concentração da mente. Respirar com plena consciência ajuda nossa mente a vagar menos em pensamentos confusos e sem fim.

 

A maior parte de nossas atividades diárias pode ser realizada enquanto seguimos a respiração de acordo com as instruções do sutra. Quando nosso trabalho demanda uma atenção especial para evitar confusão ou acidente, podemos unir a plena consciência na respiração com a própria tarefa. Por exemplo, quando estamos carregando uma panela de água fervendo ou fazendo consertos na eletricidade, podemos estar conscientes de cada movimento de nossas mãos, e alimentar essa consciência por meio da respiração: "Expiro consciente de que minhas mãos estão carregando uma panela de água fervendo" ou "Inspiro consciente de que minha mão direita está segurando um fio elétrico", ou mesmo "Inspiro consciente de que estou passando por um outro carro. Expiro consciente de que a situação está sob controle". Podemos praticar assim.

 

Na realidade, não é suficiente combinar a consciência na respiração somente com tarefas que exigem muita atenção. Devemos também combinar a plena consciência de nossa respiração com todos os movimentos de nosso corpo: "Inspiro e estou sentando", "Inspiro limpando a mesa", "Inspiro sorrindo para mim mesmo", "Inspiro acendendo o forno". Parar os pensamentos aleatórios e deixar de viver na distração é um passo gigantesco no sentido da prática da meditação. Podemos realizar essa etapa seguindo nossa respiração e combinando-a com a consciência de nossas atividades diárias.

 

Há pessoas que não têm paz nem alegria e ficam até alucinadas porque não conseguem parar o pensamento desnecessário. São obrigadas a tomar sedativos para se aquietarem e dormirem, simplesmente para dar sossego aos seus pensamentos. Porém, até mesmo em sonho, continuam sentindo medo, ansiedade e intranqüilidade. Pensar demais pode causar dor de cabeça, empobrecendo o ser espiritual.

 

Seguindo sua respiração e combinando a respiração consciente com suas atividades diárias, você pode cortar o fluxo de pensamentos perturbadores e derramar a luz do despertar. A plena consciência da expiração e da inspiração é algo maravilhoso que qualquer pessoa pode praticar. Mesmo se você vive em um monastério ou em um centro de meditação, pode praticar dessa maneira. Combinar a plena consciência da meditação com a plena consciência dos movimentos do corpo durante as atividades diárias - andar, parar, deitar, sentar, trabalhar - é uma prática básica para cultivar a concentração e viver em um estado desperto. Durante os primeiros minutos de meditação sentada, você pode usar este método para harmonizar sua respiração e, se parecer necessário, pode continuar seguindo a respiração com plena consciência durante o período todo.

 

O SEGUNDO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: CONSCIÊNCIA DO CORPO

 

Inspiro, consciente do meu corpo todo.

Expiro, consciente do meu corpo todo.

 

Durante a prática de meditação, corpo e mente se tornam uma unidade. Na posição de sentar, deitar, levantar ou andar podemos praticar a consciência de nosso corpo, começando pelas suas diferentes partes, uma por uma, e depois vendo o organismo como um todo. Podemos começar com o nosso cabelo e depois descer até as pontas dos dedos do pé. Por exemplo, quando na posição de meditação sentada, depois de regular sua respiração, você começa expirando e observa: "Expiro consciente dos cabelos em minha cabeça". "Inspiro consciente dos conteúdos de meu crânio". Você pode continuar assim até chegar às pontas dos dedos do pé. No curso da prática, sentimentos e considerações podem surgir. Por exemplo, estou passando pelo meu coração e de repente noto uma ansiedade despontando em mim a respeito das condições do coração de um amigo próximo. Não afasto esse sentimento, sou conhecedor dele: "Inspiro consciente de minha ansiedade por causa das condições do coração de meu amigo". Então, você continua sua jornada de observação de seu corpo sob a supervisão da plena consciência na respiração.

 

Aqui está um outro exemplo: à medida que fico consciente de meus órgãos digestivos, vejo milhões de diminutos seres vivos que estão vivendo comigo em minhas entranhas. Não afasto essa percepção, sou um simples sabedor dela: "Inspiro consciente de que organismos minúsculos vivem junto comigo e em mim". Sua consciência do relacionamento simbólico com esses organismos pode lhe tocar como um assunto rico para meditação. Reconheça-o como tal e marque um encontro com você mesmo para retomar a este assunto mais tarde, e depois continue com sua jornada de observação pelo resto do seu corpo.

 

Geralmente, prestamos multo pouca atenção para os órgãos de nosso corpo. Estamos conscientes deles somente quando nos causam dor e começamos a ficar doentes. Você pode passar metade da sua vida buscando riquezas e fama sem nunca ter segurado seu dedinho do pé com a consciência desperta. Seu dedinho é muito importante. Ele tem sido muito bom para você durante muitos anos. Se um dia no futuro aparecer um sinal de câncer nele, o que você vai fazer?

 

Talvez você pense que estar consciente do corpo não é muito importante, mas isso não é verdade. Qualquer fenômeno fisiológico, psicológico ou físico pode ser uma porta que conduz à verdade. Você pode meditar sobre seu dedinho e alcançar a meta da realização. O segredo dessa prática é concentrar a mente para observar cada órgão do corpo com plena consciência. Se praticar dessa maneira, um dia (talvez amanhã ou mesmo hoje à tarde) você poderá ver coisas profundas e maravilhosas capazes de mudar sua perspectiva e maneira de viver. O cabelo da sua cabeça parece muito comum, mas você deveria saber que ele é um embaixador da verdade. Por favor, receba as credenciais desse cabelo. Observe bem e descubra a mensagem de que cada fio de cabelo é portador. Seus olhos são um fenômeno físico comum? Eles são as janelas que se abrem para o milagre da realidade. Observe profundamente e verá. Essa é a prática da meditação.

 

O TERCEIRO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: REALIZAR A UNIDADE DE CORPO E MENTE

 

Inspiro, fazendo meu corpo todo ficar calmo e em paz.

Expiro, Jazendo meu corpo todo ficar calmo e em paz.

 

Durante outro período de meditação, observe seu corpo todo sem discriminar as diferentes partes. "Inspiro consciente de meu corpo todo". Nesse ponto, deixe respiração, corpo e mente observadora se tornarem todos um. Respiração e corpo são um. No momento da observação, a mente não é uma entidade que existe independentemente, fora da sua respiração e do seu corpo. A fronteira entre o sujeito que observa e objeto observado não mais existe. Nós observamos "o corpo no corpo". A mente não fica fora do objeto para observá-lo. A mente é uma com o objeto que ela observa. Este é o primeiro princípio - "sujeito e objeto são vacuidade (sujeito e objeto não são dois)" - que tem sido amplamente desenvolvido na tradição Mahayana.

 

Praticando dessa maneira por dez ou vinte minutos, o fluxo de sua respiração e o seu corpo ficam muito calmos e a mente muito mais descansada. Logo que você inicia essas práticas, tudo parece bastante desordenado, como trigo moído grosseiramente. Mas a farinha vai se tornando cada vez mais fina. O quarto método na respiração o acompanha nesse caminho. É como beber um copo de limonada gelada num dia quente e sentir que seu corpo está ficando frio por dentro. Quando você inspira, o ar entra no seu corpo e acalma todas as células. Ao mesmo tempo, cada "célula" na respiração fica mais pacificada e cada "célula" da mente também fica mais pacificada. Os três são um e cada um é todos três. Essa é a chave para a meditação. A respiração traz a doce alegria da meditação. É alimento. Se você é alimentado pela doce alegria da meditação, ficará alegre, suave e tolerante, e todos ao seu redor se beneficiarão da sua alegria.

 

Embora a meta do terceiro tópico seja trazer calma para os movimentos do corpo, seu efeito é trazer calma para sua respiração e para sua mente também. Acalmar um acalma todos três. Na calma da meditação, a discriminação entre corpo e mente não existe e você permanece descansado no estado de "corpo e mente como um", não mais sentindo que o sujeito da meditação existe fora do objeto da meditação.

 

(Do livro “Respire! Você Está Vivo” – Thich Nhat Hanh)

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