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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Tópicos de Plena Consciência (parte 2)

 

O QUARTO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: ALIMENTARMO-NOS COM A ALEGRIA DA MEDITAÇÃO (MÉTODOS 5-6)

 

Inspiro, sentindo-me alegre. Expiro, sentindo-me alegre.

Inspiro, sentindo-me feliz. Expiro, sentindo-me feliz.

 

Aqueles que praticam meditação deverão saber se alimentar na paz e na alegria da concentração meditativa, a fim de alcançar uma real maturidade e ajudar o mundo. A vida neste mundo é dolorosa e milagrosa. A tradição budista das escolas do Sul enfatizam o lado doído, enquanto as tradições das escolas do Norte nos ajudam compreender e apreciar as maravilhas da vida. Bambu, violeta, flores amarelas, nuvens brancas todos são expressões maravilhosas do Dharmakaya, o corpo do Darma. O corpo do ser humano, apesar de impermanente, sem um eu independente e preso ao sofrimento, é também infinitamente maravilhoso. A alegria inicial da meditação é como sair da cidade, deixando sua hiperatividade e todos os seus encontros perturbadores, e ir para o campo sentar debaixo de uma árvore, sozinho. Que alegria, que alívio; é como quando você termina um exame difícil e sente que deixou de lado, para sempre, toda ansiedade.

 

No fim de um dia trabalhoso, você pode ligar a televisão, acender um bastão de incenso tornando o ambiente perfumado, sentar de pernas cruzadas e começar a praticar respirando com um meio sorriso. Você vai sentir uma grande alegria! Essa é a sensação inicial de paz e alegria da meditação. O quinto método de meditação nos ajuda a ficarmos conscientes dessa sensação. Se você puder deixar de lado o estresse e as complicações do seu dia, entrará em meditação cheio de alegria. A partir desse estado, é fácil chegar ao estado de paz e felicidade.

O sexto método estabelece a consciência de paz e felicidade que surge quando nos tornamos livres de aborrecimentos e preocupações, e do fato de que corpo e mente estão tranqüilos.

 

Quando temos uma dor de dente, sabemos que não ter dor de dente é um sentimento agradável. Mas quando, na realidade, não temos dor de dente, a maioria de nós não tem consciência desse sentimento agradável. Somente depois de ficarmos cegos sabemos que ter olhos para ver um céu azul e nuvens brancas é um milagre. Enquanto podemos ver, raramente estamos conscientes desse milagre. Praticar meditação é estar consciente do que é doloroso e do que é miraculoso. Felicidade é o alimento do meditador e não é necessário olharmos para fora de nós. Só precisamos estar conscientes da existência da felicidade a fim de possuí-la imediatamente. Sentimentos de prazer são como o ar em torno de nós - podemos gozá-los quando precisamos deles.

 

Na psicologia budista, diz-se que há três tipos de prazer: agradável, desagradável e neutro. Mas quando praticamos meditação, sabemos que podemos transformar os sentimentos neutros em agradáveis e alimentarmos a nós mesmos. Os sentimentos agradáveis que se transformados a partir dos neutros são mais saudáveis e duradouros do que outros sentimentos agradáveis. Quando somos constantemente alimentados pela felicidade da meditação, ficamos tranqüilos conosco e com os outros. Passamos a ser tolerantes e compassivos e nossa felicidade é transmitida para todos os que estão ao nosso redor. Somente quando temos a paz dentro de nós podemos compartilhá-la com os outros. Só então realmente temos bastante firmeza e paciência para trabalhar ajudando os outros, enfrentando as muitas dificuldades com paciência e perseverança.

 

O QUINTO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: OBSERVAR OS SENTIMENTOS (MÉTODOS 7-8)

 

Inspiro, consciente das atividades da mente em mim. Expiro, consciente das atividades da mente em mim.

Inspiro, fazendo as atividades da mente ficarem calmas e em paz em mim. Expiro, fazendo as atividades da mente ficarem calmas e em paz em mim.

 

O sétimo e o oitavo métodos de respiração visam observar todos os sentimentos, agradáveis e desagradáveis. Sentimentos de irritação, raiva, ansiedade, preocupação e aborrecimento são os desagradáveis. Qualquer sentimento que esteja presente, o discípulo da meditação identifica, reconhece que ele está ali, e acende a luz do sol de sua consciência para iluminá-lo. Este é o trabalho da observação. Por exemplo, se estamos irritados, devemos saber: "Esta irritação está em mim. Eu sou esta irritação" e inspiramos e expiramos nessa irritação.

 

Na prática budista, a meditação da observação baseia-se na não-dualidade. Portanto, não vemos a irritação como um inimigo externo que chega para nos invadir. Vemos que somos a própria irritação instalada. "Eu sou essa irritação" e inspiramos e expiramos nessa irritação. Vemos que aquela irritação é o momento presente. Graças a essa abordagem não mais precisamos fazer um esforço para opor, expelir ou destruir a irritação. Quando praticamos a meditação de observação, não construímos barreiras entre o bem e o mal em nós mesmos, transformando-nos em um campo de batalha. Essa é a coisa principal que o budismo procura evitar. Devemos tratar a irritação com compaixão e não violência. Podemos olhar para nossa irritação com o coração cheio de amor, como se estivéssemos olhando para nossa jrmãzinha. Inspiro e expiro conscientemente, podemos iluminar nossa atenção com base na estabilidade meditativa. Um sentimento agradável é uma energia que pode alimentar. A irritação é um sentimento que pode destruir. Sob a luz da consciência, a energia da irritação pode ser transformada em energia que alimenta.

 

A origem dos sentimentos está no corpo e nas percepções. Quando sofremos de insônia, sentimos cansaço ou irritação. Esse sentimento tem origem no corpo. Quando percebemos uma pessoa ou um objeto de maneira errada, podemos sentir raiva, desapontamento ou irritação. Esses sentimentos se originam na percepção. De acordo com o budismo, nossas percepções são muitas vezes incorretas e nos causam sofrimento. Praticar a plena consciência é olhar profundamente de modo a enxergar a verdadeira natureza de todas as coisas e ir além das percepções incorretas. Se virmos uma corda como uma serpente, vamos gritar de medo. O medo é um sentimento, e confundir uma corda com uma serpente é uma percepção incorreta.

 

Se vivermos nossa vida diária com moderação, mantendo o corpo saudável, podemos diminuir os sentimentos dolorosos que têm origem no corpo. Observando cada coisa claramente e abrindo as fronteiras da compreensão, podemos diminuir os sentimentos dolorosos que têm origem em nossa percepção. Observar um sentimento a fim de iluminá-lo é reconhecer a diversidade das causas que estão perto ou longe. Ir fundo naquilo que reconhecemos é descobrir a própria natureza do sentimento.

 

Quando um sentimento de irritação ou medo está presente, podemos estar conscientes dele. Alimentando essa consciência por meio da respiração. Totalmente conscientes da nossa respiração, com paciência, passamos a ver mais profundamente dentro da natureza desse sentimento. Vendo, passamos a compreender. Com a compreensão, existe liberdade.

 

O sétimo método se refere à atividade da mente, isto é, o despertar de um sentimento, sua duração e seu cessar, para vir a se tornar algo mais. O oitavo método visa transformar a energia do sentimento. Ao observarmos a natureza de qualquer sentimento, podemos transformar sua energia em energia de paz e alegria. Quando compreendemos uma pessoa, podemos aceitá-la e amá-la. Uma vez que a aceitamos, não há mais sentimento de reprovação ou irritação contra ela. A energia do sentimento de irritação, nesse caso, pode ser transformada em energia de amor.

 

O SEXTO TÓPICO DA PLENA CONSCIÊNCIA: CONTROLANDO E LIBERANDO A MENTE (MÉTODOS 9-12)

 

Inspiro, consciente de minha mente. Expiro, consciente de minha mente.

Inspiro, tornando minha mente feliz e em paz. Expiro, tornando minha mente feliz e em paz.

Inspiro, concentrando minha mente. Expiro, concentrando minha mente.

Inspiro, liberando minha mente. Expiro, liberando minha mente.

 

 

 

Os quatro primeiros métodos da respiração ajudam a nos tornarmos um com a respiração e largar tudo: pensamentos, idéias discriminadoras e imaginações. O nono método ajuda a identificarmos as funções da mente (em vez dos sentimentos que foram tratados nos métodos sete e oito), tais como percepção, pensamento, raciocínio, discriminação, imaginação e todas as atividades do subconsciente também. Tão logo um desses fenômenos psicológicos aflora, devemos identificá-la enquanto respiramos com consciência. Continuamos a observá-lo com a totalidade de nossa mente.

 

A mente é um rio de fenômenos psicológicos que está sempre mudando, nascendo e morrendo. Nesse rio, aparecimento, duração e cessação de qualquer fenômeno sempre estão ligados a aparecimento, duração e cessação de todos os outros fenômenos. Saber identificar fenômenos psicológicos que surgem e se desenvolvem é uma parte importante da prática de meditação.

 

As atividades de nossa mente, em geral, são instáveis e agitadas; são como uma torrente de água banhando as rochas de cima a baixo. Na literatura budista tradicional, a mente é muitas vezes comparada a um macaco que está sempre pulando de galho em galho ou a um cavalo galopando. Uma vez que a mente é capaz de identificar o que está acontecendo, podemos ver com clareza e acalmá-la, sentindo paz e alegria na sua tranqüilidade. O décimo método de respirar (Inspiro, tornando minha mente feliz e em paz. Expiro, tornando minha mente feliz e em paz. ) pretende acalmar a mente. Compare-o com o quarto e o oitavo métodos. O quarto busca acalmar o corpo e o oitavo, acalmar os sentimentos. Esses três métodos podem nos conduzir para a terra da grande bem-aventurança, um estado de alegria, paz e relaxamento na concentração meditativa. Esse estado nos traz tranqüilidade e alimenta o poder de nossa concentração. Mas não devemos parar aí. Podemos continuar "observando e derramando a luz sobre ela" para chegar a uma compreensão desperta. Somente a compreensão desperta pode nos levar à liberdade total.

 

O décimo primeiro método (Inspiro, concentrando minha mente. Expiro, concentrando minha mente) visa a concentração da mente em um único objeto. Somente quando podemos nos concentrar firmemente em um objeto é que podemos observá-la. Esse objeto pode ser um fenômeno fisiológico, como a respiração; um fenômeno psicológico, como uma percepção ou um sentimento; ou um fenômeno físico, como uma folha ou uma pedra. Todos esses fenômenos são classificados como "objetos da mente" e não existem independentes da mente. O objeto da mente concentrada é iluminado através da luz da observação da mente, como o cantor que fica no holofote do palco. O objeto pode se mover no tempo e espaço, uma vez que está vivo como a mente que o observa. No estado de concentração, sujeito e objeto se tornaram um. Respiração é também um objeto da concentração da mente. Quando voltamos toda a atenção para a respiração, a mente segue somente essa, nossa mente e nossa respiração são uma. A concentração é o vetor da consciência apontando para um único objeto. Depois de praticar com a respiração, podemos praticar com outros fenômenos fisiológicos, psicológicos e físicos. Somente quando há concentração, o trabalho da observação pode ser realizado.

 

O décimo segundo método (Inspiro, liberando minha mente. Expiro, liberando minha mente.) visa desatar todos os nós da mente - as tristezas e lembranças do passado, ansiedades e previsões a respeito do futuro, sentimentos de irritação, medo e dúvida no presente, ou confusão criada por percepções errôneas. Somente nos concentrando temos a capacidade de observar e iluminar a mente e nos emancipar dos obstáculos. O mesmo acontece quando queremos desatar os nós de uma linha. Temos de estar calmos e precisamos não nos apressar. Observando a mente em toda sua sutileza, de maneira calma e autocontida, podemos livrá-la de toda confusão.

 

(Do livro “Respire! Você Está Vivo” – Thich Nhat Hanh)

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