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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Três passos para aumentar o seu coração
Como podemos praticar quando a outra pessoa está cheia de raiva e ódio, quando ela não é boa conosco, quando ela nos trai, quando ela não é fiel a nós? Uma vez eles nos prometeram isso e aquilo, mas agora nos tratam assim dessa maneira. Eles nos machucaram até não aguentarmos mais, então agora, como devemos lidar com isso?
Essa é a questão. Estamos com dor. Tem dias que ficamos acordados a noite toda. Nosso coração parece que se quebra em pedaços. É porque essa pessoa não é legal conosco. Suas palavras mostram que não há amor, gratidão ou apreço em seus corações. Eles nos traem e são infiéis repetidas vezes. Nosso coração sangra e sofremos por causa deles há anos. Então, o que devemos fazer agora?
A resposta é que temos que praticar como a Terra. Como nosso coração ainda é pequeno, ele ainda não consegue conter aquela pessoa. Essa pessoa também é alguém que sofre. Ela precisa de ajuda em vez de punição.
Quando alguém nos machuca, tendemos a ter a ideia de puni-lo e criar para ela maus momentos para liberar nossa raiva. Tendemos a acreditar que quando essa pessoa sofrer muito, sofreremos muito menos. É assim que normalmente fazemos. "Eu vou fazer você sofrer, arruinar sua vida e te machucar de volta, então você vai se arrepender pelo resto da sua vida. Como você ousa?"
Esse é o coração e a mente de todos os seres. Essa é a mente daqueles cujo coração é tão pequeno quanto uma laranja. Um coração tão pequeno quanto uma laranja não pode conter algo do tamanho de uma montanha. Dores tão grandes quanto um pomelo, uma laranja nunca consegue conter. Com o coração do tamanho de uma laranja, mas a dor do tamanho de um pomelo, como podemos contê-la? É por isso que quebramos e entramos em colapso.
Portanto, o mais importante é tornar o nosso coração cada vez maior a cada dia – até que fique muito maior que um pomelo, para poder conter o pomelo. Devemos ter em mente a imagem que o Buda usa de colocar um punhado de sal numa tigela de água. Como a tigela é muito pequena, a água fica tão salgada que não pode ser bebida. Mas ao jogar o mesmo punhado de sal em um rio, como o rio é grande, as pessoas ainda podem usar sua água para beber, tomar banho e cozinhar.
Da mesma forma, devemos tornar nossos corações maiores. "Mas querido respeitado professor, querido respeitado Buda, como posso tornar meu coração maior? Ele ainda é tão pequeno. Claro, eu quero que ele seja grande, mas parece que ele não quer ficar maior."
Ao ouvir isso, o Buda diz: "Devemos treinar-nos para meditar e olhar profundamente. Devemos treinar-nos para ter a compreensão correta." Portanto, a primeira maneira de fazer isso é compreender. Compreensão, ou "hiểu" em vietnamita. Às vezes usamos a palavra “prajñā”. Às vezes usamos a palavra “insights”. Às vezes usamos a palavra “despertar” ou “iluminação”.
Mas estas são todas palavras grandes. "Entender" é muito mais simples. Entender o quê? Em primeiro lugar, temos que ver muitas coisas com nossos próprios olhos – mas há três coisas mais importantes.
A primeira é “Como nosso coração ainda é pequeno, ainda sentimos dor, ainda sofremos”. No caso de outra pessoa, como seu coração é muito grande, ela não sofre nada. Sofremos por motivos que vêm principalmente de nós mesmos.
A segunda é “A outra pessoa também está com dor”. O fato é que, quando as pessoas estão felizes, elas não fazem os outros sofrerem. Basta olhar ao redor e ver por nós mesmos. Veremos que quando alguém está realmente feliz, não importa onde esteja, não faz sofrer quem está ao seu redor. Alguém que faz os outros sofrerem é porque seu coração está cheio de sofrimento e dor. Essa pessoa tende a dizer algo que não demonstra amor, gratidão ou apreço em seu coração. Demonstra traição.
Isso leva a discussão entre as pessoas ou elas tendem a fazer algo cruel. Como em seus corações, há muita substância de sofrimento e amargura, muita substância que é tóxica e venenosa, muita substância de apego, desejos cegos, raiva, ódio, ressentimento, ciúme ou ignorância, então, o que quer que digam, dói. O que quer que façam, causa dor. Então, olhando para essa pessoa, vemos que ela merece mais nosso amor e compaixão do que raiva e ódio. Isso é chamado de “compreensão” – compreensão correta.
A outra pessoa é alguém que está com dor. Por causa disso, ela espalha sofrimento sobre as pessoas ao seu redor. O mesmo acontece conosco. Se tudo o que temos no coração é sofrimento e amargura, vamos espalhar isso para aqueles que nos rodeiam. É por isso que temos que aprender a ter felicidade.
Como todos sabemos quando chegamos a Plum Village, a felicidade é muito simples. Ao caminhar, ficar em pé, sentar, comer ou lavar a louça, se permitirmos que nosso coração e mente fiquem livres de pensamentos aflitivos, fiquem em paz, entrem em contato com as maravilhas da vida naquele momento, muito naturalmente, nós teremos felicidade imediatamente.
Portanto, aprenda a viver em paz e feliz. Vemos que alguns monges aqui vivem muito tranquilos e felizes. Vemos que algumas monjas aqui vivem muito pacificamente e felizes. Vemos que alguns praticantes leigos vivem em paz, felizes e livres de aflições. Eles ajudaram inúmeras pessoas. Podemos aspirar também a viver da mesma maneira. Eles são bodhisattvas que ajudam os outros. Tudo o que dizem é para ajudar os outros, em vez de magoá-los. Tudo o que fazem não é para ferir os sentimentos da outra pessoa ou fazê-la sofrer, mas sim para aliviar a dor da outra pessoa.
Podemos aspirar fazer o mesmo que eles. Quando nos treinamos assim por uma semana, duas semanas ou três semanas, naturalmente nosso coração se sente leve e livre - está ficando maior, começa a perceber muitas coisas que não conseguíamos ver antes.
A terceira coisa importante é praticar. “Praticar” aqui significa viver de tal maneira que possamos trazer alegria, felicidade e paz para nós mesmos e, ao mesmo tempo, para outras pessoas. Um dia tem vinte e quatro horas. Como passamos essas vinte e quatro horas até agora? Vivemos no piloto automático, como um robô o dia todo? Lavar o rosto, enxaguar a boca, vestir a camisa ou o roupão, calçar os sapatos, comer, dirigir, trabalhar, comer de novo e dormir.
Algumas pessoas vivem no piloto automático, vivendo a vida como um robô, completamente infelizes. Entretanto, há quem viva muito feliz. Vinte e quatro horas é mesmo pouco para elas, porque podem tornar cada hora feliz, alegre e agradável da mesma forma. Elas fazem seus irmãos, irmãs e amigos felizes. Elas trazem alegria, felicidade e bem-estar para os outros e também para eles próprios. Você não precisa de dinheiro para fazer alguém feliz. Basta dar à outra pessoa um sorriso sincero, olhar para a outra pessoa com olhos de compaixão e sem julgamento, ou expressar seu cuidado, por menor que seja. Isso já será suficiente para alegrar o dia de alguém.
Todos podem fazer isso, mesmo os mais jovens. Temos o frescor de flores. Temos sorrisos calorosos. Temos olhos muito amorosos. Temos as nossas mãos, que podemos usar para ajudar – por menores que sejam, para acalmar e aliviar as pessoas do seu sofrimento. Fazer alguém feliz é algo que podemos fazer muitas vezes ao dia. Mas temos que aprender como fazer isso primeiro.
Por exemplo, ao acordar, vamos nos perguntar: "O que posso fazer hoje para melhorar o dia daquela pessoa?" Assim que acordamos, como uma segunda natureza, fazemos essa pergunta a nós mesmos. "Essa pessoa" pode ser nossa mãe, nosso pai, nosso cônjuge ou parceiro, nossa filha ou filho. Essa pessoa pode estar sofrendo, então pense: "O que devo dizer a ela hoje, o que devo fazer hoje, para ela ser feliz?"
Então mantemos essa lista de coisas em mente e naquele dia, tentamos o nosso melhor para realizá-las uma por uma – fazer pelo menos uma de manhã e pelo menos uma à tarde. Faça pelo menos duas todos os dias. Duas coisas que você pode fazer para deixar os outros felizes. É porque quando eles estão felizes, naturalmente, há felicidade em nós. Temos um texto que diz: “Aspiramos trazer alegria para uma pessoa pela manhã e aliviar a dor de uma pessoa à tarde”. Está vendo? Muito simples.
Um dia sem fazermos pelo menos duas dessas coisas é um dia em que não fizemos nenhum progresso na prática. É um dia em que não praticamos atenção plena, compreensão e amor. Pela manhã ajudamos pelo menos uma pessoa a sofrer menos. À tarde, levamos alegria para pelo menos uma pessoa. Se somos praticantes da compreensão e do amor, praticamos assim. Se formos melhores nisso, poderemos fazer mais pessoas felizes.
Se levarmos alegria e felicidade a duas, três ou quatro pessoas pela manhã, e se depois de ajudarmos uma pessoa a sofrer menos, ajudarmos mais duas, três ou quatro pessoas a sofrerem menos à tarde, já somos bodhisattvas, já somos um braço do Buda. É uma grande alegria ser um braço do Buda. Ser apenas um dedo do Buda já pode nos trazer grande alegria.
Por que não ser um? Por que viver no piloto automático? Essa pessoa tem tanta dor, tanta preocupação e tanta tristeza e aflição. Fazemos ou dizemos algo que ajuda essa pessoa a sofrer menos, e a se preocupar menos. Para fazer isso, temos que usar nossa inteligência. É por isso que se quisermos praticar o amor e a compaixão, na opinião de Thay, temos que ter um caderno. Porque o amor é uma questão de praticar para oferecer o nosso melhor a alguém – e não de receber ou ceder.
Se dissermos: “É tão doce, amo”, isso não é amor. Isso é apenas indulgência para o nosso próprio bem. Digamos que quando tomamos um sorvete, se dissermos “Eu amo sorvetes”, isso não é amor. Esse tipo de 'gostar' não é amor. Não é amor de jeito nenhum.
O 'gostar', o amor de que estamos falando é algo completamente diferente. O amor verdadeiro é diferente disso. Só podemos ter amor verdadeiro quando há atenção plena, concentração e entendimento. A outra pessoa sente dor e nós a ajudamos a sofrer menos – é desse “gostar” que estamos falando. Entretanto, esse amor pelo sorvete não é amor. Não é amor verdadeiro.
É engraçado que você ame sorvete e ame Coca-Cola. É muito estranho. Não é amor. Quando você toma muito sorvete ou bebe muita Coca-Cola, isso não faz bem ao seu corpo. É prejudicial. Só faz mal, não é não é amor de jeito nenhum.
Thay sugere que, para praticarmos a atenção plena, a compreensão e o amor verdadeiro, tenhamos um caderno. Ao acordar, dizemos a nós mesmos: “Hoje, 18 de julho de 1999, decido que devo fazer alguém feliz pela manhã e devo fazer outra pessoa sofrer menos à tarde”.
Se pudermos ajudar muitas pessoas dessa forma, significa que somos realmente bons nisso. Mas dois é o número mínimo. Certifique-se de que podemos fazer isso. Antes de ir para a cama, voltamos à página do diário e refletimos se conseguimos ou não. Provavelmente teremos mais sucesso à tarde do que pela manhã. Com isso dormiremos muito bem.
Mas para fazer isso, primeiro temos que realmente entender a outra pessoa. Entenda o que os magoou, quais as dificuldades que eles têm, ou quais são as suas aspirações. Essa pessoa pode ser nosso filho, pode ser nossa filha. Essa pessoa pode ser nosso marido, nossa esposa ou nosso cônjuge ou companheiro. Eles podem ser nossa mãe ou nosso irmão mais velho. Essa pessoa tem sofrimento e dor. Quem não tem sofrimento e dor? Se pudermos ver isso, tendo compaixão por eles, tudo o que dissermos ou fizermos trará grande alívio.
(Palestra de Darma: em 18 de julho de 1999– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/fO4SwDz07Mg)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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