Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Vivendo Juntos em Harmonia
Alguém perguntou, "Você pode me dizer o que é um pai ideal?" Alguém mais respondeu, "Um pai ideal é alguém que sabe amar a mãe e como fazer a mãe feliz." Esta parece uma resposta muito simples, mas também é muito profunda. Do que precisa uma criança mais que tudo? Ela precisa de dinheiro para comprar presentes, ela precisa de dinheiro para comprar brinquedos? Do que precisa uma criança mais que tudo? O que uma criança precisa mais que tudo é do amor de seu pai.
Existem muitas crianças que têm muitos brinquedos e muito dinheiro, mas elas não estão contentes porque o seu pai sempre está fazendo sua mãe sofrer, e freqüentemente tais crianças são muito tristes. Elas querem fugir, porque a atmosfera na família é muito pesada, como a atmosfera antes de uma grande tempestade. A atmosfera é de sofrimento, na casa e na família, e o pai provoca esta atmosfera quando ele faz a mãe sofrer. Assim a criança quer fugir, mas para onde ele ou ela podem correr? Antigamente nós poderíamos ter tido uma casa e um jardim agradável, com um pequeno lago, com bastante espaço, e a criança poderia correr para o jardim e poderia se sentar junto ao lago, ou correr para um vizinho, buscar uma tia ou um tio no vilarejo, mas agora podemos estar vivendo em um alto edifício de apartamentos, e a criança neste ambiente não tem nenhum lugar para onde correr - há só um lugar, e é o banheiro ou armário, fugir para lá e fechar a porta. Esta atmosfera sufocante, pesada, destrói e desgasta a criança, assim ela quer fugir, e ela não sabe aonde ir, assim entra no banheiro e grita para ela própria. Mas até mesmo no banheiro ela não se sente segura, porque ainda pode ouvir as vozes da mãe que chora ou do pai falando.
As crianças que vivem diretamente no meio de tal atmosfera não podem crescer de um modo suave e bonito; é como a árvore no jardim quando não há nenhum raio de sol, nenhuma chuva ou nenhum jardineiro para cuidar dela. Quando tal árvore cresce, também tem que ter uma família: tem que ter uma esposa, um marido e filhos. Mas não sabe fazer a família feliz, porque quando criança não aprendeu isso do pai. A criança não sabe amar a mãe, como cuidar da mãe. O pai não soube cuidar da mãe, e porque a criança nunca viu o pai cuidar da mãe, ela não pôde aprender como amar. Quando aquela criança se casa ela ou ele repetem os enganos do pai ou da mãe, e estes enganos novamente provocam sofrimentos para seus entes queridos. Isto é o que nós chamamos Samsara; significa o ciclo de renascimentos que nunca tem um fim, e de uma geração para a próxima este sofrimento continua sendo passado. Só quando nós podemos estar em contato com os reais ensinamentos e aprender modos de prática é que seremos capazes de quebrar este ciclo de sofrimento chamado Samsara.
Quando as crianças vêm a Plum Village, podem aprender modos de quebrar este ciclo, de forma que possam fazer surgir uma nova área na qual o pai terá a capacidade, a arte de trazer felicidade, cuidado e amor à esposa. Muitos jovens dizem que o presente mais precioso que pais podem dar aos seus filhos é a felicidade dos pais. As crianças não precisam muito: tudo que precisam é os pais estarem juntos e felizes, e isso é o bastante para as crianças estarem contentes. Assim, se somos uma mãe ou um pai, temos que saber que o que nossos filhos mais precisam é nossa felicidade, e nossa felicidade com nosso cônjuge. Esse é o maior presente que podemos dar para nossos filhos. E se nossos pais querem fazer um ao outro feliz, deveriam saber praticar o Quarto Treinamento de Plena Consciência, ao máximo. O Quarto Treinamento é a capacidade de escutar profundamente, e falar com suavidade e amorosamente. O Escutar profundamente, a fala amorosa, isto é o que todos os pais precisam aprender, e assim poderão estabelecer a comunicação e não fazerem um ao outro sofrer. Então oferecerão às suas crianças muita felicidade.
Escutar profundamente é algo nós temos que aprender a fazer -- não podemos fazer isto simplesmente. Quando a outra pessoa está falando, ela está tentando expressar suas dificuldades e sofrimentos, e precisa de nós para escutá-la. Mas se não somos capazes de escutar, então a pessoa que está falando não obterá alívio de seu sofrimento, e finalmente deixará de falar. Assim quando amamos alguém, nossa esposa, nosso marido, nossas crianças, nossos pais, precisamos praticar o escutar profundamente aquela pessoa. Talvez nosso pai não saiba escutar a nossa mãe, ou nossa mãe não saiba escutar profundamente a nosso pai, mas e nós? Nós sabemos escutar profundamente a nossa mãe e pai? Às vezes dizemos, "Minha mãe não escuta a meu pai, meu pai não escuta a minha mãe." Mas nós mesmos não escutamos profundamente a nossa mãe ou pai tampouco. Então, a mãe, o pai e o filho, quando eles vão ao templo, quando eles vão ao centro de meditação, tem que praticar o escutar profundamente, porque escutar profundamente é a prática do Bodhisattva Avalokiteshvara. Esta manhã os monges e monjas cantaram o "Elogios Ao Bodhisattva Avalokiteshvara", aquele que tem a habilidade de escutar profundamente. Por isso ele é chamado Quan The Am: isso significa "observando os sons que vêm do mundo”.
Pessoas que sofrem, que possuem sentimentos profundamente ocultos nos seus corações os quais não são capazes de expressar, precisam de uma oportunidade de extravasar este sofrimento, e se ninguém se sentar para escutá-los, como eles podem ter a oportunidade de expressar estes sentimentos ocultos de sofrimento? Então precisamos praticar olhar profundamente o interior daquela pessoa, e esta é a maneira de mostrar que nós as amamos. Se somos um pai e queremos escutar aos nossos filhos, podemos nos sentar ao lado delas em silêncio, e então dizemos: "Meu querido filho, por favor me fale, você tem alguma dificuldade? Você tem qualquer sofrimento? Por favor me fale. Eu quero escutar e ver se posso ajudar." O pai fala assim com coração. E se somos uma esposa, e sabemos que nosso marido tem sofrimentos e dificuldades que ele não pôde expressar, nós vamos até nosso marido, e sentamos em silêncio, muito calmamente ao lado dele, e então dizemos: "Meu querido marido, você tem qualquer sofrimento? Você tem alguma dificuldade escondida em seu coração? Por favor me deixe saber dela." A esposa deve falar assim.
Se somos um marido ou um pai e temos sofrido -- e todos nós sofremos; alguns de nós muito, outros um pouco -- quando a outra pessoa nos fala assim percebemos que se abre uma oportunidade para dizer o que queremos. No princípio é difícil falar. Ninguém tentou nos escutar antes, e agora quando alguém nos convida a falar assim, não estamos seguros se realmente devemos acreditar. Mas a esposa, ou quem faz a pergunta, deve ser paciente e dizer, "Por favor, por favor me fale. Pode ter sido por causa de minha falta de jeito, minha ignorância que você sofre, e eu quero ouvir isto. Por favor me diga se faço qualquer coisa tola ou inadequada que lhe faz sofrer. Eu prometo que me sentarei calmamente e em silêncio, e escutarei, porque eu estou praticando como um discípulo do Bodhisattva Avalokiteshvara. Eu não julgarei, eu não reagirei, eu não ficarei com raiva. Meu mestre e minha Sangha me ensinaram como praticar o estado de ser pacífico e calmo, como comer pacificamente, como caminhar pacificamente, como sentar pacificamente, e agora posso me sentar e escutar. Eu não sou mais como era." Nós podemos tentar persuadir nossos maridos desta forma, assim eles podem falar de suas dificuldades para que possamos ouvir.
Se nós somos jovens, não deveríamos pensar que apenas nós sofremos. O pai sofre, o pai tem dificuldades. Então nós podemos praticar, e podemos dizer, "Papai, eu sei que você é meu pai, mas sei que você tem dificuldades. Às vezes você fica bravo comigo, às vezes você se chateia comigo, às vezes eu não faço o que você gosta, mas isso acontece porque eu não conheço seu coração, eu não sei de suas dificuldades. E agora eu quero ouvi-lo; quero ouvir sobre as coisas que você não gosta em mim, nas quais pensa que posso melhorar. E eu escutarei, escutarei com o coração do Bodhisattva Avalokiteshvara, porque eu fui ao centro de meditação, conheci os monges e monjas, conheci a Sangha e aprendi como me sentar e escutar profundamente. Então por favor, pai, me fale, e eu serei como o Bodhisattva Avalokiteshvara. Eu me sentarei e escutarei muito atentamente. Eu escutarei com todo os meus ouvidos, não com meio ouvido, e escutarei com meu coração, porque Avalokiteshvara é aquele que pode escutar com os ouvidos e com o coração, e é capaz de escutar em momentos como esse." Quando o filho escuta o pai assim durante um tempo, o pai se sentirá muito melhor.
Todos nós temos que praticar na família: mãe, pai, e filho. Nós não podemos escutar profundamente só porque queremos fazer assim, nós temos que praticar primeiro, porque se paramos de escutar no meio do caminho, a outra pessoa pensará: "Que desperdício de tempo!".
Se estamos escutando e as pessoas nos dizem coisas que são completamente erradas -- elas nos entenderam completamente mal --, quando elas descrevem estas coisas, sentimos a sua falta de lealdade conosco, sentimos o seu engano, as ouvimos nos condenando e nos criticando, e enquanto as escutamos assim, pode acontecer que as sementes de nosso sofrimento sejam regadas por isso. Nós poderíamos gritar com elas ou poderíamos fugir, mas se fizermos qualquer uma destas coisas, nós saberemos que não fomos bem sucedidos em nossa prática de escutar profundamente.
O pai e a mãe são capazes de praticar o escutar profundamente? Se a mãe e o pai não têm tido êxito nisso, nós como filhos temos que ajudá-los. Nós temos que escutar o pai e a mãe. Temos que provar que nós como filhos podemos escutar profundamente. Nós podemos entender nosso pai, podemos escutar a nossa mãe e entender nossa mãe. E podemos ir até nossa mãe e dizer, "mãe, saiba que fui até meu pai, eu o escutei profundamente. Agora entendo o meu pai, e vejo meu pai sofrer bem menos. Por favor, mãe, faça a mesma coisa. Eu vou lhe ajudar a ser capaz de se sentar e escutar o pai profundamente."
Se vocês são apenas crianças, podem ser pequenos e não ter grande sabedoria, mas vocês estiveram em contato com o Buda, Dharma, e a Sangha, com os monges e as monjas, e também podem ajudar seus pais. "Pai, você tem procurado escutar a mãe? Minha mãe tem tantas dificuldades e tristezas em seu coração, muitas coisas sobre as quais você não sabe. Então, por favor, pai, escute profundamente a mãe. Eu pratiquei o escutar profundamente minha mãe, e eu sei que você pode fazer o mesmo. Eu o ajudarei. pai, por favor escute profundamente a mãe, por favor faça isso em silêncio, e quando a mãe disser algo que não é verdade, não fique bravo; apenas respire e escute profundamente para que ela sofra menos. Não escute profundamente para culpá-la ou criticá-la. E se não puder fazer isto ainda, pai, por favor vá ao centro de meditação e aprenda a meditação andando, aprenda a meditação sentada, aprenda como andar com consciência e comer com consciência, e então em uma questão de dias você poderá praticar o escutar profundamente".
Escutar profundamente é a prática mais maravilhosa do Buda e do Bodhisattva Avalokiteshvara, e quando nós dizemos o nome do Bodhisattva Avalokiteshvara, significa que aceitamos Avalokiteshvara como nosso professor. Avalokiteshvara tem a capacidade de escutar profundamente. Então, se somos discípulos de Avalokiteshvara, temos que praticar também o escutar profundamente. Hoje, vocês, crianças pequenas, ouviram isto; lembrem-se das palavras que eu lhes ensinei. Quando o pai e a mãe não estão contentes juntos, vocês tem de unir suas palmas e dizer-lhes, “Mãe, pai, onde está meu presente? Meu presente é sua felicidade. Se vocês não me derem este presente eu vou ficar muito triste." Isto será como um sino da consciência para o despertar da mãe e do pai, e então a mãe e o pai tentarão praticar.
(Discussão de Dharma ministrada por Thich Nhat Hanh em Plum Village em 9 de julho de 1998)
(Transcrito e editado por Carol Fegan, Chan An Cu, Traduzido ao Português por Claudio Miklos)
Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com
Caso queira obter esse texto em formato Word clique aqui