Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Volição, nosso desejo mais profundo

 

O Quinto Treinamento de Plena Atenção nos mostra a prática do consumo consciente de alimentos comestíveis e a prática do consumo consciente de impressões sensoriais.

 

Na semana passada tivemos um retiro para artistas de Hollywood e dissemos a eles que precisamos deles para nos ajudar na prática. Eles deveriam tentar nos fornecer filmes que regassem as boas sementes que existem em nós. E seria muito útil se eles se abstivessem de fazer os filmes que alimentam a semente da raiva, da violência e do medo em nós. Eles ouviram muito profundamente. Porque eles têm a boa semente da sabedoria neles. Esta semana vou me encontrar com um grupo de produtores de cinema em Hollywood.

 

Eu disse aos artistas que já existe uma Estátua da Liberdade na Costa Leste. Mas em nome da Liberdade, produzimos muitos itens de consumo que são muito destrutivos. É por isso que proponho que uma Estátua da Responsabilidade seja construída na Costa Oeste. Uma pessoa no retiro levantou-se e disse: “Thay, eu farei isso!” Ele é um escultor. Então, durante aquele retiro, fiz o meu melhor para regar a semente da compaixão, da compreensão e da responsabilidade nessas pessoas. E continuemos a ajudá-los.

 

A terceira fonte de nutrição de que o Buda falou chama-se volição. O tipo mais profundo de desejo que temos em nós mesmos. Porque a vida de uma pessoa é motivada por esse desejo. Se você não tiver nenhum desejo, não poderá continuar a viver. O desejo pode ser muito saudável ou muito prejudicial.

 

Siddhartha Gautama que se tornou Buda foi motivado por um desejo muito forte: transformar-se e ajudar o mundo. Era esperado que ele se tornasse um rei, um político. Mas ao observar, ele viu que seu pai estava muito desamparado. Tinha o poder de um rei em suas mãos, mas ele estava indefeso. Havia muita corrupção, muitas dificuldades, miséria no país e mesmo com esse poder político ele não podia fazer muita coisa. Como há aflições, medo, ódio, violência, raiva neles, os políticos são muito limitados no seu poder de agir.

 

Portanto, Siddhartha não se quis se tornar rei e ter muito poder. Por isso saiu do palácio em busca de um caminho de transformação e cura. E esse desejo era tão forte nele que ele foi capaz de passar por muitas dificuldades e finalmente conseguiu se tornar uma pessoa iluminada, com muita compreensão e compaixão.

 

Ele não se sentiu nem um pouco cansado durante os 45 anos ensinando, praticando e ajudando pessoas. Ele ajudou a todos, reis, ministros, empresários ricos catadores e escravos. Ele ajudou a todos! Ele aceitou todos os tipos de pessoas em sua Nobre Sangha. Na sua Sangha não há casta, não há raça. Existe apenas uma raça de iluminação: A Nobre Sangha.

 

Você é a nobre Sangha do Buda. Você é a amada Sangha do Buda. Sem discriminação. E se você praticar a atenção plena, a concentração e o insight, você trará o elemento da nobreza para sua vida diária. É por isso que a Sangha é chamada de Nobre Sangha. Se o seu desejo mais profundo é ter muita fama, muito sexo, muito consumo, esse desejo pode lhe trazer muito sofrimento.

 

É por isso que temos que olhar profundamente para o nosso desejo mais profundo para descobrir se é saudável ou prejudicial. Se você é motivado pelo desejo de se transformar e de ajudar seu povo, de ajudar sua comunidade a se transformar, a trazer alegria e esperança às suas vidas, a viver no espírito, na sabedoria da não discriminação, capaz de se proteger de complexos e sofrimento para que a sua comunidade seja um instrumento poderoso para a mudança social, então você terá o melhor tipo de vontade.

 

Isso lhe dá uma fonte infinita de energia. Você se torna muito vivo, muito dinâmico em sua vida diária. Assim você transforma a sua comunidade numa comunidade dinâmica porque a sua comunidade também tem o desejo mais profundo de mudança social.

 

A mudança social, a justiça social, a igualdade podem ser obtidas com a transformação da nossa consciência, da nossa consciência coletiva. Porque a consciência está na base. Se não formos capazes de mudar a nossa maneira de pensar, a nossa maneira de perceber, se não estivermos livres de percepções erradas, então qualquer tipo de ação, por mais direta que seja, não trará o tipo de resultado que desejamos.

 

Ações como sentar, ensinar, orar, esperar, só serão significativas quando nascerem da nossa liberdade, da nossa compaixão, da nossa compreensão. Se você tiver a sabedoria da não discriminação, se tiver a energia da compreensão e da compaixão, então esse tipo de ação poderá trazer resultados muito rapidamente.

 

A mudança social é apenas o resultado da mudança da nossa consciência. Então é por isso que esta prática deve ser feita imediatamente na nossa família, na nossa comunidade. Na sua comunidade de prática da Terra Pura, organize-se para fazê-lo, para praticá-la em sua família, em uma comunidade. Na sua igreja, batista ou não, você pratica o mesmo, o mesmo tipo de prática. Entrando em contato com o Reino, todos os dias, várias vezes ao dia. Aprendendo a lidar com o sofrimento individual e coletivo, para transformação e cura.

 

Estas são as práticas básicas. Se você conseguir transformar a si mesmo, a sua comunidade, então a mudança social ocorrerá com muita facilidade. Muitas pessoas olhando para você, olhando para o seu modo de vida, veem que você incorpora a prática da não discriminação, da compaixão. Elas poderiam se juntar a você e você terá muitos aliados mesmo que não pertençam ao mesmo tipo de cultura. Estes são os pontos que temos que discutir em nossos compartilhamentos sobre o Dharma.

 

Um dia, um líder de uma comunidade nativa americana veio até mim. Conhecemo-nos em Vermont e ele convidou-me para falar com ele aos europeus e a outros, sobre a situação e o sofrimento dos nativos americanos, para chamar a atenção das pessoas no mundo para esse sofrimento.

 

Convidei-o a sentar-se e tomar um chá comigo e, bem devagar, tentei dizer-lhe: que o primeiro passo não é esse. O primeiro passo é que ele vá para casa, para sua comunidade e ajude sua comunidade a praticar o básico como os Cinco Treinamentos de Plena Atenção, criando fraternidade, irmandade, despertar, para nos libertarmos de percepções erradas, de discriminações erradas.

 

Porque a discriminação não existe apenas neles. A discriminação existe em cada um de nós. Temos o Inferno e o Paraíso em nós. Eles também têm o Inferno e o Paraíso. Portanto, se formos capazes de tocar o paraíso e transformar o inferno em nós, seremos capazes de ajudá-los a tocar o paraíso que há neles e a transformar o inferno neles. Eles não são mais nossos inimigos. São as pessoas que queremos ajudar. Mas temos que nos ajudar primeiro. Não é um problema de protestar porque podemos vê-los como vítimas das suas percepções erradas, da sua própria ignorância, do medo e da violência.

 

É por isso que para mim é muito, muito crucial, é muito urgente voltarmos para casa, para nós mesmos e para a nossa comunidade e começarmos a prática real. A prática do consumo consciente – para que possamos curar nosso corpo, possamos curar nossa consciência, nossa mente. Este tipo de prática, de consumo consciente, de não usar álcool, de não usar drogas, de não usar itens de consumo como programas de televisão, livros, que podem trazer toxinas para dentro de nós, está na base, na fundação da nossa prática.

 

No momento em que nossos jovens não usam mais drogas e consomem esses itens tóxicos, nos tornamos uma palestra viva do Dharma. Podemos ir ajudar aqueles que ainda estão na prisão porque consumiram drogas, cometeram violência, porque tinham violência, mas não sabiam como lidar com ela, por isso foram para a prisão. Temos que tentar maneiras de vir e ajudá-los.

 

Na minha tradição, nos tempos antigos, os templos budistas trabalhavam na agricultura: Agricultura Zen: "Sem trabalho, sem comida." Então cultivamos nossas terras e apoiamos nossa comunidade. Fomos ao governo e pedimos-lhes que nos entregassem alguns prisioneiros. Assumimos o compromisso de ensinar esses prisioneiros.

 

Nós os aceitaríamos em nossa comunidade e daríamos o trabalho para eles, o cultivo, e eles aprenderiam a prática dos Cinco Treinamentos de Plena Atenção. O governo, as autoridades, acreditaram na tradição budista porque muitas vezes conseguimos transformar, ensinar os prisioneiros. Finalmente ajudamos esses presos a se casarem, a terem um terreno, a construírem uma casa e a começarem a vida.

 

(Palestra de Darma: em 27 de março de 2004– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/qzhooLFQjQA)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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